Como coloquei em um post anterior, o jornal Zero Hora aqui do RS está trazendo uma matéria interessante sobre cinco empresas que estão começando e todas as dificuldades que envolvem essa "aventura", se podemos chamar assim.
Os links para acessar a série diretamente no site estão no fim do post, mas caso algum deles esteja quebrado, você pode baixá-los em PDF na seção de downloads (pasta Zero Hora). A matéria é assinada pelos jornalistas Alexandre de Santi e Isabel Marchezan.
Abaixo, eu transcrevo um dos capítulos que fala sobre gestão e tem como ator principal o dono de uma academia. Notem o problema da relação chefe x subordinado.
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O desafio diário da gestão
Até fevereiro de 2007, o universo de Jefferson DellOsbel era feito apenas de halteres, supinos e esteiras. Depois que o personal trainer de 26 anos comprou a academia Boa Forma, incluiu no repertório noções de fluxo de caixa. Pregado na parede, um grampo segura as contas do mês. Jefferson organiza os pagamentos em ordem cronológica. Sempre que chega à academia, confere se há contas vencendo naquele dia.
No meio do ano passado, Jefferson deparou com desafios no campo dos recursos humanos, uma disciplina que o personal trainer só conhecia sob outra perspectiva: a de funcionário. O dono da Boa Forma faz parte do grupo de empreendedores brasileiros que não têm curso superior em administração ou especialização em gestão. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), apenas 30% dos empresários têm o terceiro grau, o que também não é garantia de aprendizado nos negócios, pois muitos cursos não ensinam ferramentas de gestão. Por isso, muitos empreendedores começam a perceber as dificuldades da administração somente quando já estão à frente de suas empresas. Contam apenas com o instinto, ou, no caso do personal trainer, com os conselhos da família. O pai, Jurandyr, e cinco tios têm negócios no centro de Alvorada.
Um dia, Jefferson cruzava a academia e ouviu uma esteira ranger. Duas vezes por semana, é preciso lubrificar os aparelhos. Quando a academia ainda estava sob a administração anterior, até fevereiro de 2007, quem fazia o serviço eram os professores. A academia vivia uma espécie de regime de exceção. Para preservar o negócio (e os empregos), os 12 professores formavam uma equipe dedicada apesar das condições da Boa Forma, atingida por uma obra interminável e atraso de salários.
- Pensei que fosse barbada, que estava comprando o meu braço direito, o esquerdo, as pernas, tudo. A equipe era boa, dava o sangue. A gente já tinha limpado chão, privada. Depois, foi a pior coisa - conta.
Entre dezembro de 2006 e fevereiro de 2007, Jefferson passou de professor mais novo para chefe dos antigos colegas. E a mudança não foi assimilada por alguns deles - na transição, oito instrutores da antiga administração foram absorvidos. Quando ele cruzou com a esteira mal lubrificada, pediu para o professor do turno:
- Tu podes passar uma graxa na esteira?
E como resposta, recebeu, segundo Jefferson:
- Não. Esse não é o meu trabalho. Pede para o faxineiro.
Naquele momento, Jefferson se deu conta de que o regime de exceção da academia havia expirado quando assinara o contrato de compra da Boa Forma. Os antigos companheiros estavam se tornando funcionários insatisfeitos, e, para o novo patrão, manter a equipe era prioridade. Ele sabe que os clientes se afeiçoam aos professores. Perdê-los implicaria o sumiço de alunos.
- O olhar que o empregado tem sobre o empreendimento é diferente do olhar do empreendedor. O empregado não construiu aquilo, não tem a mesma história, a mesma dedicação à empresa - ensina Carmem Grisci, psicóloga e professora da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
De acordo com Carmem, essa divisão fica mais evidente em pequenas empresas, onde o dono do negócio tem mais proximidade com os funcionários se comparado com uma grande empresa. Foi esse o conflito que Jefferson começou a remendar. Alguns professores debandaram. O funcionário do caso da esteira pediu um aumento, mas a política salarial de Jefferson era de igualdade no custo da hora-aula paga aos professores. Se atendesse ao pedido, criaria uma casta mais alta de funcionários, o que ia contra a idéia de união que buscava na equipe.
O funcionário foi demitido e, agora, somente um dos oito professores da antiga administração segue na Boa Forma. A perda da equipe inicial fez Jefferson estabelecer um limite mais claro entre o colega e o patrão.
- Com os professores, eu brinco um terço do que eu brincava antigamente. E tudo funciona muito melhor - garante.
Acertar o passo da gestão é difícil no início. A falta de um foco foi o principal problema da NewLine em seu primeiro ano. Cleber Sarmento de Oliveira, dono do empreendimento, levou seis meses para definir sua atividade principal. Só quando surgiu uma oportunidade irrecusável de atuar como revendedor da Embratel é que ele demarcou em que atuaria: oferecer pacotes de linhas telefônicas e acesso à internet para empresas de pequeno e médio portes.
No começo, instinto e improviso são comuns a microempresários
Até então, a empresa havia tentado se cadastrar como agente da Brasil Telecom, e, mais tarde, do Terra. Nenhuma das operações deu certo. Nesse período, de fevereiro a agosto, o empresário ainda dividia seu tempo entre os clientes de consultoria comercial, montando e treinando equipes de vendas, e a prospecção de novos.
Primeiro cliente da NewLine, Antônio Quinteros logo percebeu que faltava foco ao novo empreendedor. Dono de uma empresa de softwares, a ADVN, Quinteros contratou a NewLine para a implantação de um call center. Com 14 anos de experiência, viu em Cleber potencial, mas também um erro comum a novos empresários: o ímpeto de ganhar mercado.
- Isso é muito comum, a pessoa pegar mais clientes do que pode atender. A correria pela subsistência pode atrapalhar - afirma Quinteros.
- Talvez eu tenha tentado atender empresas demais - admite Cleber.
Usar o instinto - e improviso - como guia das decisões é uma característica comum a todos os micro e pequenos empresários nos primeiros anos de negócio, diz Afonso Cozzi, coordenador do núcleo de empreendedorismo da Fundação Dom Cabral. Superada a fase inicial, período que dura de três a cinco anos, o empreendedor precisa buscar ajuda especializada para administrar o crescimento natural do negócio, avalia.
- Senão, eles ficam num círculo vicioso. Como não se especializam, não crescem. Como não crescem, não têm dinheiro para contratar alguém para dividir as funções. Sem um gestor para ajudar, ficam sem tempo para se especializar. Eles só administram o curto prazo - argumenta Francisco Barone, coordenador do Programa de Estudos Avançados em Pequenos Negócios, Empreendedorismo e Microfinanças da Fundação Getulio Vargas.
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Episódio 1 :A fantasia que virou realidade
Episódio 2 : Um ano emperrado
Episódio 3 : Desafio diário da gestão
Episódio 4 : Ano de apertar o cinto
Episódio 5 : Lições aprendidas
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